A justiça que excede a dos Escribas e a dos Fariseus
A Justiça que excede a dos Escribas e a dos Fariseus
“Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas: não vim revogar, mas completar. Pois em verdade vos digo que até que passem o céu e a terra, nem um jota, nem um til, serão omitidos da lei, sem que tudo seja cumprido.
Aquele, portanto, que violar a um só desses mandamentos, por menos que seja, e ensinar aos homens a violá-lo, será chamado o menor no Reino dos céus, mas aquele que os praticar e os ensinar, esse será considerado grande no Reino dos céus. Porque eu vos digo que se a vossa justiça não exceder a dos escribas e a dos fariseus, não entrareis no Reino dos Céus”. (Evangelho de Mateus, cap. 5, v. 17 a 20).
Antes de explicar e de atualizar uma série de ensinos das escrituras, Jesus demonstrou que as leis mosaicas e os ensinos dos profetas necessitaram de maiores esclarecimentos para que as Leis de Deus fossem compreendidas com perfeição. Por isso, ele ensina, por meio do Sermão da Montanha, com uma série de sábias lições, sempre iniciando com as seguintes palavras: “Ouvistes o que foi dito aos antigos…” Depois de citar as escrituras, o divino Mestre iniciava as suas elucidações, dizendo solenemente: “Eu, porém, vos digo…”. O Messias, no entanto, encontrou grande resistência e foi perseguido por aqueles que interpretavam as leis de Moisés de forma meramente literal.
Jesus esclareceu ainda a respeito da responsabilidade dos que conhecem a Lei e o Seu mecanismo de Justiça, o qual deve ser praticado por todos nós: “Porque eu vos digo que se a vossa justiça não exceder a dos escribas e a dos fariseus, não entrareis no Reino dos céus”.
Para compreender o princípio da Justiça ensinado por Jesus, toma-se necessário conhecer os mecanismos de Justiça da Lei Moral de Justiça, a qual compõe o Direito Natural juntamente com as demais Leis Morais que regulam o comportamento humano em todas as sendas da sua evolução intelecto-moral.
A Lei da ação e reação do Direito Natural (LARDN) representa o princípio do Mecanismo da Lei Natural de Justiça. Trata-se de um conjunto de princípios de evolução para as vidas material e moral, destinados ao desenvolvimento intelectual e moral de todos os seres da Natureza. Esses princípios são necessários para a consecução da Justiça.
A exemplo da Lei da ação e reação estudada por Newton, na qual qualquer ação implica em uma reação de igual intensidade e em sentido contrário, a Lei da ação e reação do Direito Natural condiciona, sem impedir ou constranger. O Homem sabe que a sua ação implicará infalivelmente em uma reação contrária, seja de recompensa (positiva) ou de reparo ao dano causado (negativa), conforme o seguinte enunciado da Lei de ação e reação do Direito Natural destinado ao comportamento humano:
Toda ação voluntária ou involuntária do indivíduo respeita ou desrespeita o direito natural de alguém, o que causará, respectivamente, uma reação de recompensa ou de reparo ao dano, independentemente das reações de quem foi respeitado ou desrespeitado em seu direito, na proporção dos níveis intelectual e moral do causador da ação.
Nesse sentido, para cada ação de respeito ou de desrespeito ao direito natural de alguém, haverá uma reação respectiva de recompensa ou de reparo ao dano, nas proporções das ações e resultados pretendidos e consumados e do nível intelecto-moral de quem pratica a ação. Embora não seja possível prever como, ocorrerá essa recompensa ou esse reparo ao dano. Também, toda ação que desrespeite ao direito natural de qualquer ser da Natureza, também, de um modo direto ou indireto, afetará os direitos naturais do Homem. O conceito geral das ações de respeito ou de desrespeito aos direitos naturais é o de agente moral. Tais ações podem surgir individualmente ou em conjunto; em conjunto, caracterizam um sistema de ações.
Na Física, segundo a Lei da ação e reação de Newton, quando dois corpos A e B interagem, se A aplica sobre B uma força (ação), também B aplicará sobre A outra força (reação) de mesma intensidade, mesma direção e sentido contrário. Exemplo: alguém dá um soco numa parede (em seu estado normal), a parede exerce sobre a mão uma força de tensão que resiste ao impacto com a mesma intensidade, mesma direção, mas em sentido contrário. A dinâmica na Física estuda a correlação entre os movimentos (efeitos) e as forças (causas que os produzem). Segundo os princípios da dinâmica, poder-se-ia considerar que a LARDN estuda a correlação entre os deveres naturais de recompensa ou de reparação (efeitos) e as ações de respeito ou de desrespeito aos direitos naturais (causas que os produzem). Na LARDN a reação difere da que ocorre no mundo da Física porque independe da reação de alguém, mas de uma resposta sua estabelecida por uma essência de valores morais estabelecidos pela Natureza.
Segundo a LARDN, se A auxilia B, ainda que B seja ingrato e ofenda o seu benfeitor, A será recompensado porque a sua energia de auxílio retomará, sempre de forma inteligente e inusitada conforme característica desse princípio moral de ação e reação. Também, em outro exemplo: A ofende a B. Ainda que B perdoe e auxilie A, esse terá a reação de sua ofensa no sentido de reparo ao dano provocado (material, social, psicológico e/ou moral) não apenas em B, mas igualmente a si mesmo. É evidente que o reparo ao dano não será, necessariamente, sofrer a mesma ofensa, mas será alvo de uma reação nem sempre agradável no mesmo teor da causada anteriormente. Isso, com o fim de educá-lo. Esses são exemplos de efeitos dinâmicos da LARDN.
Em síntese: quando dois indivíduos A e B interagem, se A aplica sobre B uma ação de respeito ou de desrespeito ao Direito Natural de B (ação), por consequência, a LARDN acionará os deveres naturais de recompensa ou de reparação ao dano sobre A numa reação de mesma intensidade, mesma direção e sentido contrário.
De acordo com a LARDN, não há necessidade de o indivíduo A ou B promover o desrespeito aos direitos naturais de cada um diante de uma agressão porquanto ela mesma se encarregará de cobrar, de diversos modos, do indivíduo agressor, o comprimento dos seus deveres vinculados ao reparo ao dano. Dentro desse princípio, a Natureza, como fonte do Direito Natural, e esse, como uma das fontes do Direito Positivo, estabelecem os direitos inalienáveis e deveres fundamentais reparadores, seja por meio de uma punição reparadora ou de uma orientação para despertar e/ou educar o agressor. O agredido tem o direito de defender-se, o qual poderá ou não fazer uso desse direito, segundo a sua vontade, mas sem agredir o agressor.
Todos os seres humanos têm direitos e deveres naturais estabelecidos por leis naturais (ou leis morais e constituem também um dos princípios da Lei da ação e reação do Direito Natural. Até os portadores de total deficiência de natureza mental e física, além de seus direitos, têm seus deveres naturais compulsórios, estabelecidos por meio da Lei natural de Justiça (Lei do conteúdo da Justiça) e da LARDN (Lei da forma da Justiça). Isso porque as leis morais traduzem a essência normativa do Direito Natural, o qual, por sua vez, regula as relações humanas também por meio do Direito Positivo quando esse estabelece o respeito aos direitos absolutamente e relativamente inalienáveis. O Direito Natural é composto de princípios inerentes à própria essência humana; apesar de estar presente nas decisões judiciais, é constituído por um conjunto de princípios de caráter universal, eterno e imutável, não necessariamente normatizados.
A Vida é justa, e o Direito Natural representa a Justiça da Vida por meio de suas leis morais, especialmente por meio da Lei natural de Justiça e da Lei da ação e de reação do Direito Natural. A Justiça, e não a injustiça, é da essência da Vida. Justiça é o respeito aos direitos e deveres naturais de outrem, e injustiça é o desrespeito a esses direitos e deveres. Respeitar é considerar, dar a devida atenção, cuidar, preservar, praticar.
O princípio da Justiça é o respeito aos direitos e deveres naturais. Embora os seres humanos possam praticar injustiças, não as sofrerá, além da dor, quem as receba com justiça, pois que aí um mecanismo de justiça é efetivado, devido à reação da Lei da ação e reação do Direito Natural, a qual visa a reparar algum dano praticado por quem vivencia a dor. Nesse sentido, ninguém deve buscar vingança para o injusto, mas ajudá-lo a se educar conforme os princípios da LARDN, a qual também reagirá, com seus meios, para educá-lo, no sentido de reparar o dano causado pelo autor da infração.
A Vida é sempre justa e nem toda dor é consequência do reparo a algum tipo de dano. Quem sente uma dor-evolução, isto é, quando a dor não é uma consequência de reparo a algum dano, deve considerar a Justiça da LARDN, em seu mecanismo de evolução, a qual possibilitará uma ascensão evolutiva ou recompensa satisfatória.
Há uma diferença entre dor e sofrimento. Dor é todo incômodo físico ou moral causado por algum mecanismo de justiça ou por alguma injustiça. Sofrimento é uma reação de quem vivencia a dor, mas desrespeita aos direitos naturais de alguém, ou seja, é qualquer reação injusta diante da dor. A função da dor é, também, a de impedir o definitivo estacionamento intelecto-moral e ajustar o infrator aos princípios do Direito Natural. Nesse sentido, nem sempre é possível evitar a dor, mas é sempre possível evitar o sofrimento.
O propósito da Lei da ação e reação do Direito Natural é o de promover a educação por meio da evolução intelecto-moral do indivíduo. Esse processo educativo ocorre em ciclos de experiências ao longo da existência.
A evolução intelecto-moral do indivíduo não ocorre de forma repentina ou desarmônica. Isso porque os ciclos dinâmicos de evolução são quase imperceptíveis à observação dos seres humanos. São mecanismos da unidade imanente do Direito Natural. Por meio desses ciclos, a Lei da ação e reação do Direito Natural também atua numa sequência ordenada, harmônica e perfeita. Tudo tende à ordem e à perfeição estabelecidas por esse mecanismo natural de evolução. Os ciclos individuais de evolução intelecto-moral compõem ciclos coletivos, os quais também fazem parte de ciclos maiores, rumo ao infinito e à eternidade dos mundos imanentes. Esses ciclos individuais de evolução também estão inseridos em ciclos evolutivos de comunidades afins. Também os impulsos que iniciam um novo ciclo de evolução material ou espiritual se originam da força de gravitação empreendida pelo ciclo que se fechou em sua órbita, em seu nível, em sua história de evolução. A Natureza determina a existência desses ciclos porquanto sem tal processo não haveria dinâmica na criação ou na evolução.
Existem inúmeros atributos intelectuais e morais essenciais ao indivíduo na senda do progresso determinados por meio da Lei da ação e reação do Direito Natural. Isso, para que haja entendimento intelectual e compreensão moral de todas as coisas, circunstâncias e fatos relacionados ou não à realidade evolutiva do indivíduo. A capacidade intelectual para desenvolver o conhecimento adquirido e para discernir e estudar por meio do raciocínio, da intuição e de outras formas psicointelectivas, está entre os atributos indispensáveis ao ser humano. Quanto aos atributos morais a serem desenvolvidos, é possível destacar os seguintes: o amor, a sabedoria, a humildade, a paciência, a indulgência, a solidariedade, a caridade, a coragem, a persistência, a ponderação, a brandura, a responsabilidade, a esperança, a fé, a disciplina, a autenticidade e a lucidez de ideias, de sentimentos e de emoções.
Nesse sentido, o amor é a síntese das qualidades morais e a sabedoria é a virtude moral que melhor representa os atributos intelectuais superiores alcançados por seres humanos. A Lei de Amor compõe cada jota e cada til da Lei de Justiça, a qual será rigorosamente cumprida para o bem da perfeição e da felicidade de todos, conforme os ensinos do divino Messias e a Vontade Soberana de Deus.
(Emídio Silva Falcão Brasileiro é cientista da Religião, educador, jurista e autor de 20 livros, dentre os quais Um dia em Jerusalém, da AB Editora. É membro da Academia Espírita de Letras do Estado de Goiás, da Academia de Letras de Goiânia e da Academia de Letras de Aparecida de Goiânia)