Jesus no caminho do Gólgota
(Emídio Silva Falcão Brasileiro. Cientista da Religião, educador, jurista e escritor de vários livros. Autor da obra Sabedoria, da AB Editora. Membro da Academia Espírita de Letras do Estado de Goiás, da Academia de Letras de Goiânia e da Academia de Letras de Aparecida de Goiânia.)
Jesus no caminho do Gólgota
Então eles tomaram a Jesus e o levaram. Depois de terem escarnecido dele, tiraram-lhe o manto de púrpura, vestiram-lhe as suas vestes e o levaram para fora a fim de o crucificarem. E ele saiu, carregando a sua cruz.
Tendo saído, encontraram um homem de Cirene, de nome Simão. E obrigaram a Simão Cireneu que passava, vindo do campo, pai de Alexandre e de Rufo, a carregar-lhe a cruz. E puseram-lhe a cruz às costas, para que a levasse atrás de Jesus.
Seguia-o grande multidão de povo e de mulheres que batiam no peito e o lamentavam. Mas Jesus, voltando-se para elas, disse:
“Filhas de Jerusalém, não choreis por mim, mas chorai por vós mesmas e por vossos filhos! Porque eis que virão dias em que se dirá: Felizes as estéreis, os ventres que não geraram e os seios que não amamentaram! Então começarão a dizer às montanhas: Cai sobre nós! E às colinas: Cobri-nos! Porque se fazem assim com o lenho verde, o que não se fará ao seco?”
Eram também levados dois malfeitores, para com ele serem mortos. (Evangelhos de: Mateus, cap. 27, vv. 31 e 32 – Marcos, cap. 15, vv. 20 e 21 – Lucas, cap. 23, v. 26 a 32 João, cap. 19, vv. 16 e 17a).
A caminho do Gólgota, Jesus nos oferece grande lição de humildade, de sabedoria, de resignação e nos convida para refletir acerca dos mecanismos de um sistema injusto organizado por mãos humanas. Depois de tantas humilhações, Jesus caminhou rumo ao Calvário para ser crucificado juntamente com “dois malfeitores”. Ele recebeu pena de morte decorrente de um julgamento romano eivado de vícios jurídicos e de conveniências políticas e religiosas. Romanos e representantes do Judaísmo determinaram a crucificação de Jesus. Isto porque os romanos sentiram medo da liderança do profetizado “rei dos judeus” e os representantes do Templo de Jerusalém não aceitaram que ele fosse o Messias.
Jesus, no entanto, suportou o seu martírio com paciência e compaixão. Com dignidade, ele carregou a cruz da ignomínia. Com humildade, o sereno Rabi aceitou que Simão, da cidade de Cirene, carregasse o madeiro infame porque não suportava o seu peso devido ao cansaço e aos ferimentos sofridos durante a flagelação e todo o processo homicida. Quanto mérito espiritual ao ajudar o Mestre Nazareno nesse momento de grande dor! Um mérito que não coube a nenhum dos doze apóstolos. Somente Jesus poderia conhecer os mistérios dessa sagrada providência em designar um cirineu para prestar-lhe ajuda.
Simão de Cirene era um homem simples, despretensioso, que retornava do seu labor, mas não ficou indiferente às dores de três homens condenados à morte. Provavelmente, foi um dos muitos discípulos de Jesus ou se tornou um deles depois desse episódio. Também ele foi reconhecido e identificado como sendo pai de família que tinha dois filhos denominados Alexandre e Rufo, os quais são considerados discípulos de Jesus depois da crucificação.
Jesus segue rumo ao Gólgota com as suas vestes e sem o manto de púrpura que lhe fora imposto para humilhações e sarcasmos. Naquele tempo, somente os imperadores romanos poderiam usar um manto de púrpura, ou seja, de cor roxa. Os evangelistas narram a existência de grande multidão durante a trajetória dolorosa e ressaltam que muitas mulheres choraram devido a condenação de Jesus, o que, evidentemente, não exclui as lamentações dos homens que sabiam da inocência e da grandeza do incomparável Rabi.
Diante do sofrimento de seus seguidores, Jesus não perde a oportunidade de ensinar e de consolar. Dessa vez, anuncia os mecanismos sagrados da Lei Natural de Justiça e profetiza: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim, mas chorai por vós mesmas e por vossos filhos!…” Desse modo, Jesus define o padrão vibratório do nosso mundo, como sendo de provas e de expiações físicas e morais. Um lugar onde não há tréguas para os que buscam a paz e harmonia espiritual. Um ambiente moral de constantes batalhas íntimas para a manutenção de uma ordem consciencial suportável ao equilíbrio do espírito. Um mundo que exige uma vigilância diária para não se cair em quedas morais de difícil reparo. Também Jesus nos convida à uma reflexão acerca dos mecanismos de uma justiça naturalmente perfeita. Ele não propõe sentimentos de autopiedade que obnubilam o entendimento e as percepções acerca da natureza dessa Justiça Natural.
A caminho da crucificação, Jesus parece refletir a respeito dos conflitos entre o sistema do mundo terreno, ou anti-sistema, e o sistema do Direito Natural composto de inúmeras leis morais que regem o mundo da evolução espiritual. Por isso, ele afirmou: “Se o mundo vos odeia, sabei que, antes de vós, me odiou a mim” (o 15:18). O mundo ainda rejeita a paz, a ordem e a fraternidade e por isso persegue e mata os gênios, os santos e os heróis do espírito. Jesus lamenta o nível evolutivo da Humanidade terrestre. Ele estava vitorioso e a Humanidade ainda estava condenada a passar por inúmeros ciclos expiatórios. Por isso, na sua aparente derrota, estava a verdadeira vitória. Porque é muito melhor sofrer a injustiça do que proporcioná-la.
Ao consolar a Humanidade, Jesus conclui a sua advertência: “Porque se fazem assim com o lenho verde, o que não se fará ao seco?” O que esperar de um mundo onde a injustiça impera sobre a justiça nos corações humanos? Por que neste mundo há tantos alimentos e, na mesma proporção, tanta fome? Por que temos tantos medicamentos e, concomitantemente, tantos óbitos em decorrência da falta desses remédios? Por que vivemos num planeta com tantas riquezas e nos defrontamos com tantas misérias. Se, naquele momento da eternidade, um justo estava a caminho do suplício máximo, o que pensar da cruz que nos aguarda? Que os generosos esperem a ingratidão porque ele curou dez leprosos, mas somente um deles veio agradecer-lhe. Que os fiéis esperem o abandono porque ele não teve nenhum advogado para defendê-lo diante de Pilatos ou de Herodes. Que os justos esperem a injustiça porque ele foi condenado por amar e por ensinar o caminho do perdão e do amor aos inimigos. Mas que ninguém desista de ser justo e generoso por causa da injustiça e da ingratidão porque “Bem Aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados” (Mt, 5:6). Isto porque o mal é apenas a ausência do Bem e a injustiça é a ausência da Justiça até que tudo se cumpra conforme os ditames da inevitável Lei Natural do Progresso.
A caminho da cruz, Jesus chorou por nós e recomendou que chorássemos uns pelos outros porque somente por meio dessas lágrimas será possível se estabelecer o amor, a compaixão e a paz definitiva em nossas mentes e corações.
(Emídio Silva Falcão Brasileiro. Cientista da Religião, educador, jurista e escritor de vários livros. Autor da obra Sabedoria, da AB Editora. Membro da Academia Espírita de Letras do Estado de Goiás, da Academia de Letras de Goiânia e da Academia de Letras de Aparecida de Goiânia.)