As virtudes em família diante do desencarne iminente
(Thaís Lúcia Machado da Silva Ramos Psicóloga, escritora, poetisa, membro do Grupo de Edificação Espírita, e da ACELEG- Academia Espírita de Letras do Estado de Goiás ocupando a cadeira 23)
As virtudes em família diante do desencarne iminente
Carta dos meus últimos dias
Não olhe para mim como um moribundo
Tenho sonhos, desejos, vontades
Tenho conflitos…
Tenho sede, sono, frio.
Busco a verdade!
Busco alguém que não me coloque no bolso
E me esqueça
Que não olhe para mim com olhar de pena
Busco alguém que ao ver-me não faça alvoroço
Mas, que nos seus olhos traga a paz
Que me toque sem receio, nem nojo
E que queira me ver de novo, e de novo.
Às vezes, choro sem lágrimas
Outras vezes, grito sem voz
E quando a dor toca no fundo da minha alma
E eu luto contra esse algoz
Traga-me o seu lenço da fé e esperança
E ouça o meu silêncio sem pesar
Não preciso da escuridão do seu sofrimento
Busco alguém que consiga me amar.
Preciso da palavra que consola
Do remédio contra a indiferença
Daquele que me olha nos olhos e não ignora
Que eu sonho com aquele dia na cachoeira
Com aquele casamento que nunca existiu
Sinto saudades de quem foi embora
E nem se quer se despediu.
Não venha falar-me no que deixei de ser
Ou daquilo que nunca serei
Fale apenas o que eu realmente precise escutar
Converse sobre tudo o que eu tenha que saber
E não me exclua da vida lá fora
Mas, seja suave com o que possa doer.
Também não tema ser alegre perto de mim
Preciso do seu sorriso, da sua vontade de viver
Que os nossos encontros tenham começo, meio e fim
Para que no dia em que eu partir
Tenha a sensação de que me despedi.
Nesses últimos dias da minha vida
Até as últimas horas que me resta
Dê-me a sua mão assim, sem tanta pressa
E eu retribuirei com o adeus cheio de gratidão
Desse quem viveu bem o fim da vida
Graças a você que olhou dentro dos meus olhos
E cativou o meu coração
Ante as provações da vida na Terra, incluindo o temor da morte, exposto também entre os espíritas, pondera-se primordiais as virtudes como coragem, esperança, fé na vida futura e aceitação, apoiadas na fé raciocinada instruída em O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo cinco, ao atestar que “se meditássemos melhor o porquê das dores que vos atingem, encontraríeis sempre a razão divina, razão regeneradora, e vossos míseros interesses seriam uma consideração secundária que desprezaríeis ao último plano”. Não obstante, na escala evolutiva em que a maioria se encontra encarnada neste planeta, apesar de discernir a existência futura, sentimentos e falhas materialistas ainda são tomados perante o desencarne iminente próprio ou de algum familiar. De maneira que a certeza do porvir e do reencontro com os corações amados após a morte não seja o suficiente para enfrentar esta separação de forma saudável psiquicamente.
A família, composta por inter-relações, vivencia a doença ou a ameaça de morte de forma sistêmica atingindo todos os membros familiares o que resulta em mudanças emocionais profundas além de alterações no padrão de interação, regras e responsabilidades de cada um. Quando desaba a notícia da proximidade do desencane ou da morte súbita na família, o tempo trabalha, quase sempre, ainda negativamente no grupo dando lugar as suspeições de culpas que são transferidas entre um e outro. O que gera, segundo o espírito Joana de Angelis, em seu livro Constelações Familiares, psicografado pelo médium Divaldo Franco, situações ainda mais graves decorrentes do conflito que não foi devidamente enfrentado. Nesses casos, é comum o afastamento do casal, por exemplo, que se culpa entre si, ainda que de forma inconsciente, sobre a doença terminal ou da fatalidade do filho.
Para a mesma autora, em tais circunstancias, mais do que nunca, “os membros da constelação familiar se devem apoio mútuo, entendimento recíproco tendo em vista que alguns deles são mais frágeis emocionalmente do que os outros”. Além de constatar a contribuição religiosa para o momento como fundamental, pois proporciona a busca por Deus mediante a oração, a meditação, o estudo do Evangelho e os diálogos fraternos, assim reunindo forças para superar a separação que se aproxima. Essa que se discorre apenas sob a ótica materialista, já que os bem-amados estão perto dos seus. Livres do envoltório corporal, os seus corpos fluídicos rodeiam seus pupilos, seus pensamentos os protegem e as lembranças positivas que a família nutre os enchem de felicidade.
Diante do desencarne iminente, a prece sustenta a coragem para as despedidas, da qual os Anjos respondem ao derramarem sobre esse ato de amor a esperança do reencontro e a força para olhar nos olhos do ente querido e dizer adeus. Cada palavra vibrada em paz a favor do bem-amado em oração à Deus para que o abençoe é como bálsamo de luz que o fortalece. Dessa postura de bondade é possível sentir em quem fica na matéria as consolações poderosas que secarão as suas lágrimas e a fé que mostrará o futuro prometido pelo soberano Senhor. Para que no momento em que a saudade bater as portas dos corações, consiga-se ouvir e sentir no silêncio do pensamento edificante, com a permissão do querido Jesus, o oásis por meio da frase: “Estou bem, em paz, amparado pelos bons espíritos. Na certeza de que o tempo jamais separará dois corações unidos pela eternidade. Em breve nos reencontramos nos mais belos vales espirituais e eu retribuirei as suas preces com meu mais doce abraço de gratidão”.
Ainda assim, do mesmo modo que a despedida coroada pela esperança do reencontro é consolo edificante, “as nossas dores insensatas os perturbam, pois elas denotam a falta de fé e são uma revolta contra a vontade de Deus”, assim ensina a obra O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo cinco. Como orienta o médium Raul Teixeira, em entrevista ao programa Transição, o reencarne é o nascimento para a vida material, do mesmo modo que o desencarne é o nascimento para a vida espiritual. Porque não tentar suportar as experiências a mesma maneira? Quando um bebê nasce, é necessário mantê-lo em terno aconchego, em silêncio, sem gritarias ou alvoroços, para que nada disso incomode a criança. Igualmente, é fundamental agir assim em face do espírito prestes a se deligar do corpo. Choros são esperados, em virtude da saudade salutar daquele que se vai, todavia, a revolta, a movimentação espalhafatosa, os diálogos repletos de incredulidade e desespero perturba o espirito que retoma as esferas espirituais.
“O Espirito é sensível à lembrança e aos lamentos daqueles que amou, mas uma dor incessante e irracional o afeta dolorosamente, porque vê nessa dor excessiva uma falta de fé no futuro e da confiança em Deus e um obstáculo ao adiantamento dos que choram e, talvez, o reencontro de todos”, assim complementa a resposta a questão 936 de O Livro dos Espíritos. A postura positiva e serena deve permanecer inclusive nos velório e enterros, ainda experimentados por tantos como oportunos a difamação do finado ou pontos de encontros propícios para as conversas serem colocadas em dia. Nessas ocasiões preservemos a prece e o respeito pela família acima de tudo.
Além de saber se comportar sobre o que e como falar é esperado que se saiba ouvir. As portas do desencarne, ou mesmo à velhice avançada, o agonizante ainda tem sentimentos que precisam ser aceitos e desejos que necessitam de atenção. Fundamental, então, a doação do tempo paciente para quem retorna à pátria espiritual, pois mediante a escuta bondosa, a palavra consoladora e a companhia edificante, o desencarne se envolve de esperança. Sentimento esse que pode ser revigorado na Doutrina da Consolação ao confortar os corações mediante a instrução da certeza da vida futura que possibilita o reencontro nas esferas espirituais. A esperança ilumina a escuridão das imperfeições ao lidar com a separação e vivifica as virtudes no momento do adeus.
Recorda-se sempre da reposta da questão 936, de O Livro dos Espíritos, ao afirmar que com o Espiritismo não há mais solidão, não há mais abandono. Ao suportar com coragem essa legitima dor, sabendo silenciar os lamentos, reinará a felicidade ao espírito que sair desta prisão terrestre, como o paciente que encontra o júbilo e a cura após ser submetido ao tratamento, na maioria das vezes doloroso, chamado vida.
(Thaís Lúcia Machado da Silva Ramos Psicóloga, escritora, poetisa, membro do Grupo de Edificação Espírita, e da ACELEG- Academia Espírita de Letras do Estado de Goiás ocupando a cadeira 23)