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Hipátia

Por GISMAIR MARTINS TEIXEIRA

Hipátia, a cinebiografia e a materialização de uma alma

O cinema já foi aclamado pelo imaginário popular como sendo uma fábrica de sonhos. É uma definição poética que guarda um profundo vínculo com a realidade. No âmbito da doutrina espírita, mais do que em qualquer outra instância, esta realidade se evidencia. Isto porque a mediunidade descerrou à compreensão humana a perspectiva de uma vida exuberantemente dinâmica nas dimensões espirituais que circundam o plano da existência física. Ao que se depreende de comunicações espirituais diversas, a tecnologia na espiritualidade estaria relativamente mais avançada do que a do plano terreno, sendo esta última uma representação ainda algo grosseira daquela.

A cinematografia, com todo o seu desenvolvimento tecnológico, representa atualmente uma pequena parcela materializada dos recursos comuns à erraticidade, para nos servirmos do termo da sistematização de Kardec. As analogias são diversas e os exemplos também. Em Memórias de um suicida, o espírito-autor escreve pela mediunidade de Yvone do Amaral Pereira, na metade do século passado, a experiência de regressão de memória terapêutica para os espíritos que cometeram suicídio mediante a representação imagética em tela de grandes proporções dos eventos geradores dos conflitos que redundaram em suas crises conscienciais. É assim que em regressão, como se assistisse a uma cinebiografia de sua remota existência à época de Cristo, o autor espiritual se vê na condição de grotesca personagem que atira pedras em Jesus quando este passava carregando a trave da cruz em direção ao Gólgota. Chico Xavier teria relatado a biógrafos que nos romances de Emmanuel sobre as origens do cristianismo, por diversas vezes o seu mentor projetava-lhe cenas, por assim dizer, cinematográficas, dos episódios relatados em seus memoráveis romances históricos.

Dessa forma, a cinematografia representa um extraordinário avanço tecnológico que permite dar asas à imaginação, que muitas vezes guarda um inegável componente mediúnico. Desse número, sem dúvida, são as cinebiografias de personagens marcantes da história universal. Em 2009, o diretor espanhol Alejandro Amenábar, que já dirigira o filme de cunho nitidamente espírita, Os outros, trouxe às telonas no filme Ágora a cinebiografia de uma personagem, sob todos os títulos, fascinante. Trata-se da pensadora e matemática de Alexandria, Hipátia. Filiada à escola neoplatônica de conhecimento, Hipátia (ou Hipácia) foi vítima de um lamentável episódio de fanatismo religioso por parte dos cristãos, que a essa época passavam da condição de perseguidos à de perseguidores, num lamentável processo de desvirtuamento das palavras de Jesus Cristo. O filme do diretor espanhol revive com a natural licença poética da arte cinematográfica todo o processo envolvendo a vida dessa notável mulher e seu conflito involuntário com as forças obscurantistas de Cirilo, posteriormente canonizado pela Igreja, que se utiliza de uma passagem atribuída a Paulo de Tarso determinando que à mulher é interditado falar na Igreja e, por extensão, ministrar ensinamentos. O absurdo começa pelo fato de que Hipátia não era cristã. Mas o objetivo real era fazê-la converter à força para que calassem sua voz.

Por não ceder, Hipátia foi vitimada da maneira mais cruel, sendo morta a pedradas, tendo o seu corpo arrastado pelas ruas de Alexandria por volta do ano 415 d.C., num espetáculo hediondo que faz compreensíveis as palavras atribuídas a Gandhi quando em contato com sacerdotes cristãos que pretendiam convertê-lo: “Admiro e muito o vosso Cristo, mas não o vosso cristianismo”. Não há como deixar de emocionar-se assistindo à peça cinematográfica sobre essa personagem. Sabe-se, através de informações mediúnicas, que muitos espíritos votam ódio ao cristianismo e, por extensão, a Jesus, por conta de tais acontecimentos. Mas não é este o caso de Hipátia, o que demonstra o seu elevado nível evolutivo, não somente intelectual mas sobretudo ético-moral. Na obra norte-americana que em português poderia ser traduzida como O alvorecer da mente desperta, conforme o blog eradoespirito.blogspot do pesquisador espírita Ademir Xavier, o espírito de Hipátia responde a diversas questões sobre espiritualidade. Hipátia é a protetora do autor, Dr. King, o que permite algumas conjecturas, que de resto não passarão disto. Por exemplo, seria o autor algum ex-discípulo? Ou, quem sabe, algum membro da infeliz turba que a vitimou? De 1910, ano da encarnação de Chico Xavier, a obra traz um retrato do nobre espírito materializado através da mediunidade das irmãs Bang, de Chicago, Estados Unidos.

No blog de Xavier há a reprodução do retrato de Hipátia materializada feito pelo Dr. King. A descrição do fenômeno mediúnico de materialização dessa notável entidade é de grande beleza: “Esse espírito protetor apareceu materializada, saindo da cabine para a apreciação de todos os presentes. Palavras dificilmente podem ser encontradas para descrever a figura belíssima dessa materialização. Alta e de porte majestático, carregava joias cintilando a cada movimento, Hipátia estava gloriosa”. Sem dúvida, trata-se de uma alma de escol, acima da média humana, que certamente compõe a falange do Espírito da Verdade, evidenciando o ecletismo da legião espiritual que se encarregou da implantação dos ideais do Consolador na Terra. A pesquisadora espírita Dora Incontri também escreveu excelente análise da vida de Hipátia em sua página na Internet, contextualizando-a em face de seu tempo. Esta cinebiografia em correlação ao evento mediúnico do início do século XX configura, pois, uma nota cultural que permite inferir que o cinema pode representar sim uma espécie de “aporte” tecnológico da espiritualidade para que esta fábrica de sonhos seja um pouco mais que isto.

GISMAIR MARTINS TEIXEIRA

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